No início de dezembro, a presidente Dilma Rousseff sinalizou que os
royalties dos futuros contratos de concessão para exploração do petróleo
repassados aos governos federal, estadual e municipal serão destinados
integralmente à educação. A decisão foi anunciada com a publicação da
medida provisória que aplica a regra para contratos firmados a partir de
3 de dezembro de 2012. Para o ministro da Educação, Aloizio Mercadante,
trata-se de uma oportunidade para promover um salto na educação
brasileira. Economistas e especialistas em educação também consideram
importante a decisão, mas afirmam que, apesar de necessária, a medida
não é suficiente.
A consideração dos especialistas leva em
conta outro projeto, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e segue
para apreciação no Senado. O Plano Nacional da Educação (PNE) lista 20
metas a serem cumpridas no prazo de 10 anos, entre elas o investimento
de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação. Para se ter uma
ideia, em 2011 o PIB ficou em R$ 4,143 trilhões. No mesmo ano, o
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) calculou que os recursos públicos destinados à área educacional
equivaleram a 5,3% do PIB - cerca de R$ 220 bilhões, desconsiderando
investimentos privados, como o Financiamento Estudantil (Fies). Se o PNE
já estivesse sancionado e a meta dos 10% fosse colocada em prática, o
País deveria aplicar R$ 414 bilhões na área.
A MP também prevê o
investimento de 50% do Fundo Social, que recebe recursos originados por
bônus de assinatura dos contratos de partilha de produção, parcela dos
royalties e participação especial da União em blocos do pré-sal que cabe
à União, fatia dos royalties de outros blocos que cabe à União, além da
receita gerada com a venda do petróleo e do gás natural. Todas essas
receitas devem ser complementares ao mínimo estabelecido pela
Constituição - 18% dos impostos arrecadados pelo governo federal e 25%
por estados e municípios.
Ainda assim, o professor da Faculdade de Educação da Universidade de
Brasília (Unb) Remi Castioni, especializado na área de políticas
públicas, considera que, com as medidas atuais, o País não vai alcançar a
meta. "É evidente que nós precisamos de mais recursos para a educação. O
governo está apostando que a ampliação dos recursos teriam como origem
os royalties. A não concretização desse processo colocaria em dúvida de
onde viria esse dinheiro", analisa Castioni.
Segundo a Agência
Nacional de Petróleo (ANP), foram creditados ao todo, em 2011, quase R$
13 bilhões oriundos de royalties de petróleo. O valor engloba repasses
para Estados, municípios e outros beneficiários previstos por lei. Em
2012, o balanço divulgado em novembro já demonstrava o crédito de R$
14,2 bilhões. Os valores são aquém dos quase R$ 220 bilhões necessários
para suprir o déficit em investimentos, tomando como referência a meta
do PNE.
A ANP não divulga estimativas de quanto os contratos futuros de
exploração de petróleo poderiam render - a assessoria informa que o
cálculo dos royalties está sujeito a variáveis como a alíquota aplicada
ao campo produtor, o volume de produção mensal de petróleo e gás natural
e o preço de referência mensal (que varia conforme a cotação do dólar).
Em dezembro do ano passado, contudo, o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) publicou comunicado elencando possibilidades de
financiamento para a educação. O documento lista o valor presente da
riqueza em petróleo do pré-sal ao todo, que, em 2009, poderia gerar R$
1,27 trilhões em um cenário pessimista - equivalente a 39% do PIB
daquele ano.
Na prática, poucos recursos e carência na gestão da educação
O pesquisador Maurício Canêdo Pinheiro, da área de Economia e Petróleo
do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), explica que os contratos atuais vão durar muito tempo até que
tenham que ser renovados. Até lá, essas áreas vão perdendo
produtividade, e os royalties para a educação passam a depender de novos
blocos licitados pelo governo. O coordenador da Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, Daniel Cara, aponta o mesmo problema. Segundo ele,
os acordos firmados até 2 de dezembro de 2012 são de longo prazo e
abrangem uma área praticamente já explorada. "Na prática, a MP não
trouxe efetivamente os recursos do petróleo para a educação", critica.
Para contornar esse cenário, Cara enumera mudanças necessárias para
beneficiar, de fato, a educação. Entre elas, a destinação de 50% dos
rendimentos dos contratos atuais e de 100% dos novos contratos para a
educação pública - uma das reivindicações é que o documento provisório
não restringe a verba, possibilitando que ela seja investida na educação
privada, algo contestado por Cara.
O professor da UnB Remi Castioni também afirma que a busca de outros
mecanismos para ampliar os investimentos na educação é importante, caso
a MP não se sustente. Ele sugere que o superávit primário - valor
arrecadado pelo governo, descontadas as despesas - seja reduzido de
3,11% (índice de 2011) para 1% em relação ao PIB, e que essa diferença
seja destinada à educação.
No documento do Ipea, diversas
possibilidades de financiamento são listadas pela assessoria técnica da
presidência do instituto. Entre elas, alterações em impostos como ITR,
IPTU, IPVA e outros, regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas
(IGF), além da diminuição de subsídios fiscais e da ampliação da
vinculação de recursos para a educação (de 18% para 20% para a União e
de 25% para 30% para estados e municípios). Para o coordenador da
Campanha Nacional, esse cálculo viabilizaria um investimento de até 12%
do PIB em educação.
"O País tem condições de pagar os 10%. A pergunta é se vai dar
prioridade para a área que, na prática, é a mais estratégica", define
Cara. O professor Castioni também ressalta o poder multiplicador do
investimento em educação, que traz retornos a longo prazo e em outras
áreas. "Nós temos uma riqueza finita, com duração de mais ou menos 30
anos, ao mesmo tempo em que estamos em um momento transitório, de
preparar uma nova geração para conduzir o destino do país", atesta.
Além da destinação dos recursos, outra questão preocupa os
especialistas: a gestão desse orçamento e do próprio sistema
educacional. O professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) e
doutor em educação Afonso Celso Galvão acredita nos benefícios
financeiros da medida, mas afirma que será ineficaz caso o dinheiro não
chegue às escolas. "O problema é a gestão da educação como um todo,
incluindo a formação dos professores. É bom que o governo comece a
pensar em um modelo", opina. Para o professor, a destinação dos
royalties pode gerar reflexos positivos a médio prazo, desde que o
governo promova melhorias no sistema e uma aprendizagem de qualidade. O
dinheiro, apesar de trazer condições, não viabiliza automaticamente esse
ganho. Injetar mais recursos sem atacar os gargalos educacionais, diz
Galvão, seria um desperdício de verbas.
"Para funcionar, o governo deve ter coragem de enfrentar o problema,
um sistema que é caquético, irresponsável no trato com a educação
pública", frisa o professor da UCB. Pesquisador da FGV, Canêdo sustenta a
mesma posição. "É importante mudar a gestão para que o dinheiro seja
mais bem aproveitado", diz.
Congresso vai votar vetos da presidente
O Congresso Nacional ainda deve votar se aprova ou não os vetos da
presidente Dilma Rousseff ao projeto de mudanças no regime de exploração
de petróleo. No início de dezembro, Dilma vetou artigos que tratavam da
redistribuição dos royalties, além de ter publicado a MP que vinculou
os recursos dos contratos futuros à educação.
Castioni aposta que o Congresso vá derrubar o veto, no sentido de
fazer uma distribuição sem estabelecer vinculação. "O que os Estados e
municípios querem é ampliar a arrecadação e ter liberdade para destinar
esses recursos", avalia. "Se não houver uma mobilização da sociedade e
dos educadores para que a ampliação dessa verba beneficie a educação, eu
vejo muita dificuldade para que isso se concretize no Congresso",
acrescenta.
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