A cada ano, professores se veem mais reféns de
alunos.
Pesquisas recentes feitas nos estados mostram aumento da
insegurança no ambiente escolar
Por: Correio Braziliense - 22/04
Os vestígios de um trauma vivido há 13
anos em uma escola, em Ceilândia, não conseguiram tirar a professora
Edielza Figueiredo, de 44 anos, das salas de aula. Entretanto, o
episódio de agressão deixou marcas profundas, que são lembradas com
clareza até hoje. Grávida de oito meses de seu terceiro filho na época,
ela foi vítima de um aluno, supostamente drogado, que jogou uma mesa
escolar contra sua barriga. “Na hora, eu mantive a calma e consegui até
resolver o problema. Mas, quando cheguei em casa, comecei a sentir muito
medo. Até contrações eu tive. Me senti vulnerável, não queria voltar”,
relembra.
Histórias como as de Edielza são
rotineiras nas escolas da rede pública brasileira. Dados de uma pesquisa
da Unesco, de 2006, revelam que 80% dos professores das principais
capitais brasileiras enfrentaram, em algum momento, a violência no
trabalho. No Distrito Federal, um terço dos profissionais já foi
agredido em sala de aula. A falta de políticas públicas educacionais
formuladas pelo Ministério da Educação (MEC) e por secretarias estaduais
reforça o cenário assustador, que preocupa sindicatos e especialistas.
Os dados são alarmantes em várias partes
do país. A pesquisa Observatório da Violência do Sindicato dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp),
divulgada no ano passado, mostrou que os casos de agressão a professores
nas escolas públicas paulistas têm crescido cerca de 40% por semestre
nos últimos três anos. Já em Minas Gerais, um levantamento feito pelo
Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG) revelou
que a cada três dias um caso de violência é registrado contra docentes
em escolas públicas ou privadas do estado. Em Brasília, a média chega a
seis casos por semana. Porém, representantes de sindicatos alertam que o
número pode ser maior, já que muitos docentes preferem não oficializar
as denúncias.
Especialistas afirmam que, na maioria dos
casos de agressão, as motivações são corriqueiras. “É uma nota baixa,
um professor que chamou a atenção e tirou da sala de aula”, analisa a
socióloga e coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Miriam
Abramovay. Edielza acredita que os agressores acabam descontando a raiva
de problemas pessoais nos docentes. “As motivações são externas. Eles
trazem a bagagem de casa, que reflete na escola”, acredita.
Agressões
Com 26 anos de magistério, Edielza conta
que já passou por inúmeros episódios de violência nas escolas em que
trabalhou em Ceilândia, Santa Maria e Taguatinga. Mesmo apaixonada pela
profissão, a professora chegou até a pensar em largá-la. O pedido,
inclusive, foi feito pelo seu filho mais velho, na época com 10 anos.
“Ele me falava: ‘Mãe, você é muito inteligente, vai fazer outra coisa’”,
recorda. A professora, porém, escolheu continuar por “acreditar na
Educação”.
Muitas vezes, porém, as agressões acabam
afastando os docentes da sala de aula. No Rio de Janeiro, por exemplo, o
sindicato acompanha de perto o caso de 10 professores que deixaram de
lecionar por causa de ameaças sofridas e, hoje, estão de licença médica
com diagnósticos de estresse pós-traumático ou síndrome do pânico. A
pesquisa do Apeoesp aponta que 70% dos professores paulistas que sofrem
de estresse foram vítimas de algum ato violento por parte de alunos.
O quadro também se repete em Brasília.
Depois de ser vítima de perseguição por parte de uma gangue em
Taguatinga, em 2010, o professor de Educação física Hudson Paiva, de 33
anos, chegou a trocar de escola duas vezes e tirou seis meses de
licença. Os agressores eram alunos de 11 a 17 anos do colégio onde ele
trabalhava. “Eles me perseguiam, iam até a minha casa. Uma vez, eu
estava na quadra dando aula e os meninos jogaram um pedaço de vidro com
álcool e fogo”, relata. De volta à ativa, Hudson convive hoje com
características típicas de um trauma. “Eu fico alerta o tempo todo. Se
levantarem a voz, registro logo uma queixa na delegacia”, acrescenta.
Miriam Abramovay ressalta que, para
solucionar o problema, é preciso criar um plano de convivência escolar,
com políticas educacionais consistentes, que também capacitem melhor os
docentes. “Não existe hoje um diagnóstico sério do que está acontecendo
nas escolas. É um livro fechado”, critica a especialista.
Já o secretário de assuntos educacionais
da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno
Araújo, acredita que o problema é a falta de limites dos estudantes.
“Eles acham que têm todos os direitos. Salas lotadas, falta dematerial e
professores sem condições adequadas de trabalho propiciam um ambiente
para a violência. Fica difícil criar uma relação professor-aluno”,
explica
Fonte: APEOESP