Por Marino Boeira* - 31/01/13 | 05:55
Para você ter chances de ser governador de um Estado, digamos como o Rio Grande do Sul, onde a força dos antigos coronéis foi substituída pela grande mídia, é preciso seguir algumas etapas.
A primeira é se eleger vereador numa grande cidade, de preferência a capital. Para isso é preciso contar com um feudo eleitoral. Pode ser uma associação de bairro, um sindicato, um grupo de pais e mestres, um clube secreto, uma corporação militar ou, melhor do que tudo, uma igreja.
Caso o interessado tenha sido um jogador famoso de um grande clube e nunca tenha trocado de camisa, pode pular esta etapa e sair direto para deputado estadual ou até federal.
Com espaço em rede de televisão de grande audiência, mesmo que seja apenas para apresentar a previsão do tempo, é candidato com vitória certa para deputado. Com espaço na TV e coluna política em jornal conservador, sai direto para o Senado.
Caso você seja um simples mortal e não alguém já famoso, talvez um engenheiro, um advogado ou quem sabe um professor de Matemática, o processo exige o cumprimento de algumas etapas, começando como vereador.
Nessa hora é preciso escolhe um partido com bom quociente eleitoral. Partido radical de esquerda, quase sempre só faz número na eleição. Quem ganha são aqueles que têm espaço nos meios de comunicação durante a campanha e cabos eleitorais pagos para distribuir material de divulgação.
Supondo que você consiga um espaço no PMDB, PP, PT ou PDT, partidos com bom tempo na TV e se eleja vereador, mesmo que com um décimo dos votos daquele radical do PSTU.
Aí começa a corrida de obstáculos até chegar à porta daquele velho palácio de estilo clássico na Praça da Matriz. A receita vale também para outros palácios, clássicos ou não, de alguns outros estados.
Caso seja do mesmo partido do Prefeito é de bom tom descolar uma secretaria, obviamente uma que tenha dinheiro para gastar em obras que chamem a atenção dos eleitores.
Acima de tudo, porém, desde o primeiro dia você deve ter um olho para a mídia. Ser amigo do repórter que cobre os assuntos municipais ajuda bastante. Nada melhor, porém do que ser uma ”fonte digna de crédito” de jornalista com espaço em coluna política. Alguns discursos sobre temas atuais – mobilidade urbana, segurança da população, defesa dos animais – é sempre indicado. Nessas horas, é bom pedir ajuda daquele amigo que se formou em Letras e anda sem emprego. Por alguns trocados, ele pode escrever um discurso que vai causar inveja dos seus pares na Câmara.
Cumprindo esta receita, quatro anos depois, você está pronto para um novo salto e chegar a deputado estadual, onde terá que seguir a mesma receita, só que num patamar mais alto e com parceiros mais competitivos.
Daí para à Câmara Federal, os ingredientes são os mesmos, mas é preciso adicionar aquilo que os mestres da culinária chamam de “um toque pessoal”. Com este diferencial, mais uma boa lista de apoiadores financeiros – a campanha é cara e livro de ouro apenas não basta – e você chega lá.
Na próxima eleição para prefeito, você já pode colocar seu nome à disposição do partido. É assim que os políticos dizem. Como muitos dos seus colegas também querem colocar seus nomes à disposição, é preciso dar algumas cotoveladas para abrir o seu espaço. Nessa hora é bom citar Maquiavel e o seu Príncipe, para justificar algumas pequenas traições a velhos companheiros. Ainda que não tenha lido, pode citar tranqüilo. Poucos leram.
Escolhido pelo partido, você precisa agora buscar apoio das outras legendas. Mesmo que na sua origem você tenha sido de esquerda, ainda que apenas na política estudantil porque no outro lado não tinha mais espaço, agora é preciso construir uma aliança com “amplo espectro político”. Em linguagem mais chula: um saco de gatos, onde aqueles velhos comunistas, hoje socialistas democráticos, devem conviver harmoniosamente com os políticos da antiga Arena.
Caso alguém venha lhe cobrar coerência, você pode dizer que está sendo pragmático, que o Lula fez o mesmo ou até que as ideologias desapareceram depois que o muro caiu. O muro de Berlim é claro, porque aquele muro que Israel está construindo para por todos os palestinos num gueto, não é de bom tom citar. Podem chamar você de antissemita e isso tira votos.
Com um bom jingle, imagens de você sempre sorrindo e promessas de que tudo vai melhorar – e por último, mas não menos importante – e o apoio das chamadas forças vivas da sociedade, incluindo entidades patronais e a mídia – sempre ela, não esqueça – você vai ganhar a eleição, até porque os outros candidatos vão dizer a mesma coisa, mas vão ter muito menos espaço na televisão.
Eleito, você está com a faca e o queijo na mão para se candidatar a governador nos próximos dois anos. Como você joga num time que está ganhando, nada de mudar o que está dando certo. Grandes obras ajudam bastante. Para isso, você tem que contar com o apoio de Brasília, mas na hora da inauguração é você que vai aparecer. Na falta delas, faça algumas ciclovias. É super moderno, mesmo que elas levem do nada ao lugar nenhum e os ciclistas continuem andando sobre as calçadas, espaço até há pouco reservado para os pedestres. As empresas que constroem shoppings e espigões, onde deveria haver parques e jardins, sempre ajudam nessa questão de ciclovias.
Ah…não esqueça, fale muito em desenvolvimento auto-sustentável para a cidade, mesmo que ninguém saiba exatamente como isso é feito.
Depois é só colocar novamente o nome à disposição do partido, dar algumas cotoveladas nos concorrentes mais afoitos, fazer uma grande coligação e você pode ser o novo governador, com direito a autorizar anúncios coloridos na mídia – o que traz grandes alegrias para as agências de propaganda e empresários da comunicação – mostrando como seu governo está resolvendo os principais problemas do Estado.
Como dizia antigamente aquela frase que encerrava os filmes de Hollywood: qualquer semelhança com nomes e fatos reais, é mera coincidência.
*Marino Boeira é professor universitário
http://www.sul21.com.br/jornal/2013/01/receita-para-se-fazer-um-governador/
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A primeira é se eleger vereador numa grande cidade, de preferência a capital. Para isso é preciso contar com um feudo eleitoral. Pode ser uma associação de bairro, um sindicato, um grupo de pais e mestres, um clube secreto, uma corporação militar ou, melhor do que tudo, uma igreja.
Caso o interessado tenha sido um jogador famoso de um grande clube e nunca tenha trocado de camisa, pode pular esta etapa e sair direto para deputado estadual ou até federal.
Com espaço em rede de televisão de grande audiência, mesmo que seja apenas para apresentar a previsão do tempo, é candidato com vitória certa para deputado. Com espaço na TV e coluna política em jornal conservador, sai direto para o Senado.
Caso você seja um simples mortal e não alguém já famoso, talvez um engenheiro, um advogado ou quem sabe um professor de Matemática, o processo exige o cumprimento de algumas etapas, começando como vereador.
Nessa hora é preciso escolhe um partido com bom quociente eleitoral. Partido radical de esquerda, quase sempre só faz número na eleição. Quem ganha são aqueles que têm espaço nos meios de comunicação durante a campanha e cabos eleitorais pagos para distribuir material de divulgação.
Supondo que você consiga um espaço no PMDB, PP, PT ou PDT, partidos com bom tempo na TV e se eleja vereador, mesmo que com um décimo dos votos daquele radical do PSTU.
Aí começa a corrida de obstáculos até chegar à porta daquele velho palácio de estilo clássico na Praça da Matriz. A receita vale também para outros palácios, clássicos ou não, de alguns outros estados.
Caso seja do mesmo partido do Prefeito é de bom tom descolar uma secretaria, obviamente uma que tenha dinheiro para gastar em obras que chamem a atenção dos eleitores.
Acima de tudo, porém, desde o primeiro dia você deve ter um olho para a mídia. Ser amigo do repórter que cobre os assuntos municipais ajuda bastante. Nada melhor, porém do que ser uma ”fonte digna de crédito” de jornalista com espaço em coluna política. Alguns discursos sobre temas atuais – mobilidade urbana, segurança da população, defesa dos animais – é sempre indicado. Nessas horas, é bom pedir ajuda daquele amigo que se formou em Letras e anda sem emprego. Por alguns trocados, ele pode escrever um discurso que vai causar inveja dos seus pares na Câmara.
Cumprindo esta receita, quatro anos depois, você está pronto para um novo salto e chegar a deputado estadual, onde terá que seguir a mesma receita, só que num patamar mais alto e com parceiros mais competitivos.
Daí para à Câmara Federal, os ingredientes são os mesmos, mas é preciso adicionar aquilo que os mestres da culinária chamam de “um toque pessoal”. Com este diferencial, mais uma boa lista de apoiadores financeiros – a campanha é cara e livro de ouro apenas não basta – e você chega lá.
Na próxima eleição para prefeito, você já pode colocar seu nome à disposição do partido. É assim que os políticos dizem. Como muitos dos seus colegas também querem colocar seus nomes à disposição, é preciso dar algumas cotoveladas para abrir o seu espaço. Nessa hora é bom citar Maquiavel e o seu Príncipe, para justificar algumas pequenas traições a velhos companheiros. Ainda que não tenha lido, pode citar tranqüilo. Poucos leram.
Escolhido pelo partido, você precisa agora buscar apoio das outras legendas. Mesmo que na sua origem você tenha sido de esquerda, ainda que apenas na política estudantil porque no outro lado não tinha mais espaço, agora é preciso construir uma aliança com “amplo espectro político”. Em linguagem mais chula: um saco de gatos, onde aqueles velhos comunistas, hoje socialistas democráticos, devem conviver harmoniosamente com os políticos da antiga Arena.
Caso alguém venha lhe cobrar coerência, você pode dizer que está sendo pragmático, que o Lula fez o mesmo ou até que as ideologias desapareceram depois que o muro caiu. O muro de Berlim é claro, porque aquele muro que Israel está construindo para por todos os palestinos num gueto, não é de bom tom citar. Podem chamar você de antissemita e isso tira votos.
Com um bom jingle, imagens de você sempre sorrindo e promessas de que tudo vai melhorar – e por último, mas não menos importante – e o apoio das chamadas forças vivas da sociedade, incluindo entidades patronais e a mídia – sempre ela, não esqueça – você vai ganhar a eleição, até porque os outros candidatos vão dizer a mesma coisa, mas vão ter muito menos espaço na televisão.
Eleito, você está com a faca e o queijo na mão para se candidatar a governador nos próximos dois anos. Como você joga num time que está ganhando, nada de mudar o que está dando certo. Grandes obras ajudam bastante. Para isso, você tem que contar com o apoio de Brasília, mas na hora da inauguração é você que vai aparecer. Na falta delas, faça algumas ciclovias. É super moderno, mesmo que elas levem do nada ao lugar nenhum e os ciclistas continuem andando sobre as calçadas, espaço até há pouco reservado para os pedestres. As empresas que constroem shoppings e espigões, onde deveria haver parques e jardins, sempre ajudam nessa questão de ciclovias.
Ah…não esqueça, fale muito em desenvolvimento auto-sustentável para a cidade, mesmo que ninguém saiba exatamente como isso é feito.
Depois é só colocar novamente o nome à disposição do partido, dar algumas cotoveladas nos concorrentes mais afoitos, fazer uma grande coligação e você pode ser o novo governador, com direito a autorizar anúncios coloridos na mídia – o que traz grandes alegrias para as agências de propaganda e empresários da comunicação – mostrando como seu governo está resolvendo os principais problemas do Estado.
Como dizia antigamente aquela frase que encerrava os filmes de Hollywood: qualquer semelhança com nomes e fatos reais, é mera coincidência.
*Marino Boeira é professor universitário
http://www.sul21.com.br/jornal/2013/01/receita-para-se-fazer-um-governador/
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