Postado por Juremir em 22 de setembro de 2012 - Política
Do Valor
“Mensalão será um julgamento de exceção”, diz Wanderley Guilherme
Por Cristine Prestes | De São Paulo
“Mensalão será um julgamento de exceção”, diz Wanderley Guilherme
Por Cristine Prestes | De São Paulo
O mensalão não tem nada de emblemático – ao contrário disso, será um
julgamento de exceção. Essas são as palavras do cientista político
Wanderley Guilherme dos Santos, para quem os ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) têm construído um discurso paralelo ao longo das
sessões que destoa da tradição da Corte. “Nunca mais haverá um
julgamento em que se fale sobre flexibilização do uso de provas, sobre
transferência do ônus da prova aos réus, não importa o que aconteça”,
afirma.
As inovações citadas por Santos sustentam sua crença na exceção.
Presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, autarquia do Ministério da
Cultura, o estudioso da democracia e de regimes autoritários é
considerado um decano da ciência política no Brasil. A seguir, os
principais trechos da entrevista concedida ontem, por telefone, ao
Valor:
Valor: Na sua avaliação, o julgamento do mensalão no Supremo tem sido técnico ou político?
Wanderley Guilherme dos Santos: Estou seguro de que até agora, do que
tenho acompanhado, os votos finais dos ministros tiveram um fundamento
técnico. Eles se referem sempre a pontos do Código Penal, que
explicitam quais sejam, e dão as razões pelas quais as evidências
apresentadas justificam aquela votação. Comentários paralelos,
entretanto, raramente têm tido a ver com esses votos. Alguns ministros
têm feito comentários que não têm nenhuma pertinência com o que vem
sendo julgado. Temo que isso seja uma preparação para julgamentos e
votos que não sejam tão bem fundamentados legalmente, mas sim baseados
nas premissas que os juízos paralelos vêm cristalizando no cérebro das
pessoas que assistem. Temo que uma condenação dos principais líderes do
PT, e do PT como partido, acabe tendo por fundamento não evidências
apropriadas, mas o discurso paralelo que vem sendo construído.
Valor: O sr. está falando do uso da teoria do domínio do fato, usada
para atribuir responsabilidade penal a um réu que pertence a um grupo
criminoso, mas que, por ocupar função hierarquicamente superior, não é o
mesmo sujeito que pratica o ato criminoso?
Wanderley Guilherme: Entre outras coisas. Se retomarmos a primeira
sessão, quando os ministros estavam decidindo se deveriam fatiar ou não o
julgamento, Gilmar Mendes fez uma declaração que muito me assustou.
Ele disse que ‘o julgamento [do processo do mensalão no Supremo]
desmistifica a lenda urbana de que prerrogativa de foro é sinônimo de
impunidade’ e que isso tinha que acabar. Fiquei assustado. O que é isso?
Ele já estava dizendo que, para efeito de demonstrar à opinião pública
que ela tem um preconceito sem fundamento em relação ao Supremo, o
tribunal vai condenar. Ao longo do processo o ministro Luiz Fux, ao
julgar alguns dos réus do processo por gestão temerária, disse que era
uma gestão horrorosa. Não existe gestão horrorosa, isso é um comentário
que se faz em campo de futebol, não é um comentário de um ministro da
Suprema Corte.
Valor: O sr. acha que os ministros estão dizendo, nas entrelinhas do
julgamento, que o tribunal condenará alguns réus sem fundamentar essas
condenações em provas concretas?
Wanderley Guilherme: Exato, são comentários que às vezes não têm a
ver com o que está sendo julgado, mas na hora do voto os ministros votam
de acordo com a legislação. É uma espécie de vale-tudo. Esse é meu
temor. O que os ministros expuseram até agora é a intimidade do caixa 2
de campanhas eleitorais e o que esse caixa 2 provoca. A questão
fundamental é: por que existe o caixa 2? Isso eles se recusam a
discutir, como se o que eles estão julgando não fosse algo comum – que
pode variar em magnitude, mas que está acontecendo agora, não tenho a
menor dúvida. Como se o que eles estão julgando fosse alguma coisa
inédita e peculiar, algum projeto maligno.
Valor: O Supremo está destoando da forma como costuma julgar outros processos?
“Nunca vi um julgamento que inovasse em tantas coisas ao mesmo tempo. Duvido que aconteça de novo”
Wanderley Guilherme: Sem dúvida. Esse Supremo tem sido socialmente
muito avançado, bastante modernizador, mas ele é politicamente
pré-democrático. Primeiro porque os ministros têm uma ojeriza em relação
à política profissional, como se eles não fizessem política – fazem o
tempo todo. Mas em relação à política profissional eles têm um certo
desprezo aristocrático. E quando na política brasileira irrompeu a
política popular de mobilização, eles não aceitaram, dão a isso um
significado de decadência, degradação.
Valor: Ainda que o caixa 2 de campanhas eleitorais tenha sido o que
motivou os demais crimes apontados pela acusação, em nenhum momento o
Supremo coloca em julgamento o sistema eleitoral brasileiro?
Wanderley Guilherme: Nossa legislação eleitoral é nebulosa, confusa,
inconsistente. Isso está nos jornais todos os dias, cada eleição é um
momento de elevado índice de litígios na sociedade. Cada zona eleitoral
decide de forma diferente a propósito dos mesmos fatos. É uma
legislação que provoca conflitos, que traz uma imprevisibilidade
jurídica enorme para o sistema brasileiro. Mas os ministros não querem
aceitar isso, não querem aceitar que a Justiça eleitoral é a causadora
dos problemas políticos no país.
Valor: Mas na atual fase do julgamento, que envolve o núcleo
político, os ministros do Supremo estão citando as coligações entre o PT
e outros partidos de diferentes posições ideológicas…
Wanderley Guilherme: Eles acham que não existem coligações entre
partidos de orientações diferentes, acham isso uma aberração brasileira,
mas não conhecem a democracia. Por isso que eu digo que é
pré-democrático, eles têm uma ideia de como a democracia funciona no
mundo inteiramente que é inteiramente sem fundamento, acham que a
democracia é puramente ideológica. Os sistemas de representação
proporcional são governados por coalizões das mais variadas. Não tem
nada de criminoso nisso. Mas os ministros consideram que, para haver
coligações dessa natureza, só pode haver uma explicação criminosa no
Código Penal. Isso é um preconceito.
Valor: Se o Supremo condenar os réus do núcleo político sem
fundamentar suas decisões em provas de que houve crimes, mas o fazendo
apenas porque partidos de diferentes vertentes de pensamento se
coligaram, isso não comprometeria várias instituições brasileiras, a
começar pelo próprio sistema político?
Wanderley Guilherme: Comprometeria se esse julgamento fosse
emblemático, como sugerem. Na minha opinião, dependendo do final do
julgamento, acho que nunca mais vai acontecer. Até os juristas estão
espantados com a quantidade de inovações que esse julgamento está
propiciando, em vários outros pontos além da teoria do domínio do fato.
Nunca vi um julgamento que inovasse em tantas coisas ao mesmo tempo.
Duvido que um julgamento como esse aconteça de novo em relação a
qualquer outro episódio semelhante.
Valor: O que se tem dito é que a Justiça brasileira vai, enfim, levar
políticos corruptos para a cadeia. O sr. está dizendo que isso vai
acontecer apenas desta vez?
Wanderley Guilherme: Estão considerando esse julgamento como um
julgamento emblemático, mas é justamente o oposto, é um julgamento de
exceção. Isso jamais vai acontecer de novo, nunca mais haverá um
julgamento em que se fale sobre flexibilização do uso de provas, sobre
transferência do ônus da prova aos réus, não importa o que aconteça.
Todo mundo pode ficar tranquilo porque não vai acontecer de novo, é um
julgamento de exceção.
Valor: Um julgamento de exceção para julgar um partido?
Wanderley Guilherme: Exatamente. O Supremo tem sido socialmente
avançado e moderno e é competente, sem dúvida nenhuma, mas é
politicamente pré-democrático. Está reagindo a uma circunstância que
todos conhecem, que não é única, mas porque se trata de um partido de
raízes populares. Está reagindo à democracia em ação – claro que
naqueles aspectos em que a democracia é vulnerável, como a corrupção.
Mas é um aspecto que não decorre do fato de o partido ser popular, mas
da legislação eleitoral, feita pelo Legislativo e pelo Judiciário. Eles
são a causa eficiente da face negativa da competição democrática.
Valor: No julgamento da hipótese de compra de votos no Congresso, não
discute o próprio sistema político que permite a troca de cargos por
apoio político ou a existência de alianças regionais, por exemplo?
Wanderley Guilherme: A votação da reforma tributária não foi unânime,
mas vários votos do PSDB e do DEM foram iguais aos dos governistas. Na
reforma previdenciária, o PSDB votou unanimemente junto com o governo,
na época o PFL também votou quase unanimemente. Isso aconteceu na
terça-feira, quando todos os partidos votaram com o governo no Código
Florestal – o PT foi o partido com mais votos contrários. É um erro de
análise inaceitável pegar a votação de um partido e dizer que o voto foi
comprado. Isso é um absurdo. E não é só isso. A legislação é
inconsistente no que diz respeito a coligações. Ela favorece a coligação
partidária de qualquer número de partidos – todos, se quiserem, podem
formar uma coligação eleitoral só. Porém, a lei proíbe que partidos que
têm maior capacidade de mobilização financeira transfiram, à luz do
dia e por contabilidade clara, recursos para partidos com menor
capacidade de mobilização. Então você induz a criação de coligações,
mas proíbe o funcionamento delas. Isso favorece o caixa 2, entre outras
coisas. Todos os países com eleições proporcionais permitem
coligações, do contrário não há governo possível. A coligação entre
partidos que não têm a mesma orientação ideológica não é crime.
Valor: Desde o início do julgamento os ministros do Supremo apontam a
inexistência de provas técnicas contra a antiga cúpula do PT,
afirmando que as provas existentes são basicamente testemunhais
Wanderley Guilherme: O ministro Joaquim Barbosa, em uma de suas
inovações, declarou, fora dos autos, que ia desconsiderar vários
depoimentos dados em relação ao PT e a alguns dos acusados porque haviam
sido emitidos por amigos, colegas de parlamento, mas considerou outros
depoimentos. A lei não diz isso, não há fundamento disso em lei. Um
ministro diz que vai desconsiderar depoimentos porque são de pessoas
conhecidas como amigos, dos réus, mas pinça outros, e ninguém na Corte
considera isso uma aberração? Parece-me que o julgamento terminará por
ser um julgamento de exceção.
Valor: Isso significa que a jurisprudência que vem sendo criada no caso do mensalão será revertida após o julgamento?
Wanderley Guilherme: Espero que não, porque realmente se isso acontecer vai ser uma página inglória da nossa história.
Fonte: Correio do Povo / Blog Juremir Machado da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário