sexta-feira, 17 de maio de 2013

O nó do desenvolvimento

SILVIO CACCIA BAVA

 

Já no período Collor (1990-1992), o alinhamento com o neoliberalismo levou o governo a adotar políticas de favorecimento do grande capital, como a isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros, fortalecendo um modelo de crescimento que privilegia grandes empresas e corporações internacionais − uma política que aumentou a desigualdade social, concentrando ainda mais a riqueza no topo da pirâmide social. Seus efeitos perduram até hoje: menos de 10% da população brasileira fica com cerca de 50% da renda nacional.

Vários mecanismos foram utilizados desde então para reforçar políticas que beneficiam o grande capital, preservam privilégios e colocam o Brasil entre os países mais desiguais do planeta.

No início de seu primeiro governo, em 1995, Fernando Henrique Cardoso ofereceu uma cesta de bondades para os mais ricos: redução da alíquota do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) das instituições financeiras de 25% para 15%; redução do adicional do IRPJ de 12% e 18% para 10%; redução da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de 30% para 8%, depois elevada para 9%; dedução dos juros sobre capital próprio, que permite às empresas pagar juros de mercado para seus acionistas sobre o capital detido por cada um, como se fossem empréstimos, reduzindo assim os impostos a pagar de 34% para 15%; redução da alíquota máxima do Imposto de Renda de Pessoas Físicas de 35% para 27,5%.

Em 1999, em pleno segundo mandato, FHC lançou o Pacote Fiscal 51, aumentando os tributos sobre o consumo, isto é, a tributação sobre os mais pobres. Como? Elevando em 50% a Cofins – de 2% para 3%; aumentando a base de incidência do PIS/Pasep e da Cofins; aumentando em 90% a CPMF, hoje extinta, de 0,20% para 0,38%, entre outras medidas.

O fato é que no início do Plano Real um trabalhador começava a pagar Imposto de Renda a partir de 10,48 salários mínimos; em 2005, a partir de 3,88 salários mínimos. Em 1996, as famílias com menos de dois salários mínimos gastavam 26% de sua renda para pagar impostos; em 2002, esse percentual chegou a 46%. Já para as famílias com renda superior a 30 salários mínimos, os índices eram de 7,3% em 1996, passando para 16% em 2002.2

A tributação sobre o consumo representa hoje mais de 50% da carga tributária bruta; a tributação sobre a renda, 20,5%; a tributação sobre a propriedade, apenas 3,3%. Em nenhum país do mundo com o qual o Brasil possa se comparar o Imposto de Renda é tão favorável aos mais ricos: nossa maior alíquota é de 27,5%, e a França acaba de aprovar em seu Parlamento o limite máximo de 66,6%. Essas políticas tributárias permanecem intocadas até hoje.

Se a arrecadação dos tributos mostra uma sociedade profundamente desigual, o gasto público não faz mais do que reforçar isso. Em 2010, o total dos impostos arrecadados pelo governo correspondeu a 33,56% do PIB. Vejamos a quem se destinam esses recursos.

Em 2011, o governo gastou R$ 708 bilhões, ou 45,05% dos impostos arrecadados, com o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública. Os credores são bancos nacionais e estrangeiros (55%), fundos de investimento (21%), fundos de pensão (16%) e empresas não financeiras (8%). Em 2012, se comparados os quatro primeiros meses com o gasto no mesmo período em 2011, mesmo com a redução da taxa Selic, o volume de recursos destinados a pagar essa conta aumentou 40%, chegando a R$ 369,2 bilhões. É um cenário preocupante, já que nesse mesmo ano foram destinados, do Orçamento Geral da União, 2,99% para a educação, 4,07% para a saúde e 2,85% para a assistência social.

Nossa Constituição, em seu artigo 166, assegura que a prioridade na execução orçamentária é o pagamento da dívida, e, quando forem necessários cortes no orçamento para cumprir essa prioridade, eles se aplicarão a outras rubricas, por exemplo, nas políticas sociais. Com a mesma lógica, a Lei de Responsabilidade Fiscal só limita os gastos e investimentos sociais, dando liberdade total para o aumento dos juros e o custeio da política monetária.

Somando os estoques da dívida interna (R$ 2,637 trilhões) com a dívida externa (R$ 788 bilhões), o Brasil tem uma dívida bruta acumulada que corresponde a 78% do PIB, base de cálculo para a remuneração dos rentistas atuantes no setor financeiro, que se estima sejam 22 mil famílias ampliadas e grandes bancos e corporações, em sua maioria estrangeiros.3

Vale ressaltar que as tentativas de fazer uma auditoria da dívida foram barradas pelo Senado em 1992, apesar das evidências de flagrantes ilegalidades e questionamentos sobre a composição da dívida. Por iniciativa da sociedade civil, no ano 2000 foi realizado o Plebiscito da Dívida. Na ocasião, votaram 6 milhões de brasileiros, que propuseram o não pagamento da dívida pública enquanto não fosse realizada a auditoria prevista na Constituição Federal de 1988. De lá para cá, só estamos pagando mais para os rentistas.

SILVIO CACCIA BAVA é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

1 Este artigo se apoia num excelente livro recém-publicado: Antonio David Cattani e Marcelo Ramos Oliveira (orgs.), A sociedade justa e seus inimigos, Tomo Editorial, Porto Alegre, 2012.

2 Fátima Gondim Farias e Marcelo Lettieri Siqueira, “Bases tributárias brasileiras – Penalizando os pobres e beneficiando os rentistas”. In: Antonio David Cattani e Marcelo Ramos Oliveira (orgs.), op. cit.

3 Maria Lucia Fatorelli, “Bolsa Rico”. In Antonio David Cattani e Marcelo Ramos Oliveira (orgs.), op. cit.

Fonte: CPERS/SINDICATO

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