O governo federal alardeia que ser professor é exercer "a profissão que
pode mudar o País", mas o que se comprova é que se trata de uma carreira
que vem perdendo prestígio e pela qual há cada vez menos interessados.
O problema é especialmente grave no ensino de ciências exatas, essencial
para o crescimento de qualquer país. Embora não se trate de algo novo, o
fenômeno tem se acentuado nos últimos tempos, e há novos levantamentos
mensurando o grande desinteresse dos jovens pelo desafio de ensinar e,
dessa forma, "construir um Brasil mais desenvolvido", como diz a
propaganda oficial destinada a atrair mão de obra para as salas de aula.
Uma pesquisa recente feita com ingressantes nos cursos de licenciatura
em matemática e física na Universidade de São Paulo (USP) mostra que
cerca de 50% deles não estão muito dispostos a dar aula nas respectivas
áreas. O resultado é particularmente importante quando se leva em conta o
fato óbvio de que os cursos de licenciatura são justamente aqueles que
formam professores para o ensino fundamental e o médio.
A pesquisa constatou que a maioria dos ingressantes nesses cursos de
licenciatura optou por eles porque a exigência do vestibular era bem
menor, porque o curso é gratuito, porque têm afinidade com matemática ou
física e porque abrem caminho para a pós-graduação. O levantamento
mostra ainda que os ingressantes em licenciatura se enquadram num perfil
socioeconômico mais baixo do que o dos demais cursos na USP, situação
que, de acordo com o estudo, se repete em cursos semelhantes em outras
partes do Brasil. É, portanto, uma porta de acesso ao ensino superior
para as faixas mais pobres da população.
Os estudantes que se disseram em dúvida sobre abraçar a carreira de
professor destacaram que podem se sentir estimulados se a escola for
"reconhecida por ter um bom trabalho educacional" ou se tiver "autonomia
para elaborar projetos educativos, ensinando com certa liberdade". As
respostas denotam idealismo dos entrevistados, mas, na prática, impõem
condições que hoje não são atendidas na rede pública de ensino, mas
apenas nas escolas particulares.
O sistema educacional público no Brasil padece de um erro de enfoque:
privilegiam-se os controles de desempenho dos professores - inclusive
com a distribuição de prêmios em dinheiro - sem, no entanto, valorizar a
carreira em si. Os salários são considerados baixos em vista da
importância da profissão. Pretende-se exigir dos professores que sejam
conscientes de sua importância social, mas o magro contracheque diz
outra coisa.
Além disso, a precariedade das instalações da maioria das escolas
públicas evidencia o descaso do Estado com os profissionais de educação,
obrigados a lidar com a crônica falta de material e de equipamentos
para enfrentar o desafio diário de estimular seus alunos a aprender.
Outro aspecto que foi levantado pelos entrevistados na pesquisa diz
respeito ao desprestígio da profissão de professor na educação básica.
Estudantes de medicina ouvidos pelos pesquisadores disseram que não se
tornariam professores porque, entre outros motivos, a remuneração é
baixa, a possibilidade de ascensão profissional é mínima e as condições
das escolas são ruins. No entanto, esse mesmo grupo de entrevistados,
assim como os demais, enfatizou que considera o professor muito
relevante para o País, por ser o responsável pela transmissão de valores
e conhecimentos.
Há, portanto, um abismo entre o ideal de uma carreira e sua realidade,
demonstrado cabalmente pelo desinteresse dos estudantes de licenciatura.
Assim, o déficit de professores de matemática, física e química, que já
é de 170 mil, tende a crescer.
O resultado disso é que o desempenho dos alunos da rede pública em
ciências exatas, que já é um dos mais fracos do mundo, tem tudo para
piorar - a não ser que o governo aja radicalmente e, sem mais delongas,
restitua ao magistério o orgulho profissional.
Editorial O Estado de São Paulo desta quarta-feira (8/5).
SECOM/CPP
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