Existem estranhas coincidências neste mundo. Anotei algumas:
1) Muitas das pessoas que defenderam o corte das árvores em Porto
Alegre, em nome do progresso e contra os “excessos” do ecologismo,
ficaram do lado das empresas do ônibus na questão do aumento das
pesagens e chamaram os que se manifestaram contra isso de vagabundos,
desocupados e baderneiros.
2) Muitas das pessoas que defenderam o corte das árvores e o
aumento das passagens de ônibus, em nome da sustentabilidade econômica e
do desenvolvimento, ficaram, no passado, do lado da Ford contra o
Estado do Rio Grande do Sul e, recentemente, do lado das concessionárias
de pedágios e das decisões judiciais em favor do parasitismo dessas
empresas.
3) Muitas das pessoas que defenderam o corte das árvores, o aumento
das passagens de ônibus, a Ford e as concessionárias de pedágios, em
nome da ordem e do bem público, são contra, em geral, à comissão da
verdade ou entendem que ela deveria investigar os “dois lados” e os
“crimes dos terroristas”. Essas pessoas jamais chamam os torturadores a
serviço do regime militar de terroristas nem defendem que eles sejam
punidos.
4) Muitas das pessoas que defenderam o corte das árvores, o aumento
das passagens de ônibus, a Ford, as concessionárias de pedágios e que
atacam a comissão da verdade, em nome da imparcialidade e dos altos
interesses públicos, sustentam que não há mais liberdade de expressão na
Argentina e na Venezuela, apesar de o Clarín ter mais de duzentas
concessões de televisão e fazer oposição diária ao governo de Cristina
Kirchner e de os jornais El Nacional e El Universal combaterem o
chavismo todos os dias. Essas mesmas pessoas pouco ou nada se
incomodaram com a falta de liberdade de expressão no Chile de Pinochet
ou no Brasil dos militares. Não lhes basta dizer que há degradação da
liberdade de expressão, conflito de interesses, disputa ideológica ou
até tendência autoritária. Preferem um discurso mais radical, que chamam
de objetivo.
5) Muitas dessas pessoas que coincidentemente defenderam a Ford,
silenciam agora sobre a decisão de justiça que obriga essa multinacional
a indenizar o Rio Grande do Sul por ter tentado ficar com dinheiro que
não lhe pertencia; muitas dessas pessoas que defenderam a Ford
e criminalizam qualquer movimento social não chamarão de baderneiros os
ruralistas que bloquearão estradas neste mês de junho contra a
demarcação de terras indígenas.
6) Muitas dessas pessoas que defenderam o corte das árvores,
denunciaram o ecologismo radical, defenderam o aumento das passagens de
ônibus, as concessionárias de pedágios e a Ford e que atacam a comissão
da verdade, a Argentina e a Venezuela, silenciam sobre a baderna
ruralista, entusiasmam-se com leis mais repressivas em relação ao
consumo de drogas, permitindo, por exemplo, a internação involuntária de
dependentes, sem considerar garantias individuais fundamentais; muitas
dessas pessoas “sensatas” coincidentemente garantem que não há mais
direita e esquerda e que as ideologias acabaram.
Não as julgo. Apenas constato: que coincidência!
E pergunto: será que algo as une?
Outra hipótese: não há essa coincidência, essas pessoas são muito
mais heterogêneas do que parece e a percepção de que algo as aproxima,
unifica ou relaciona não passa de uma ilusão ou de uma deformação
ideológica típica de muitas pessoas que insistem em olhar o mundo de uma
mesma maneira e por um viés político.
Hipóteses contraditórias podem andar unidas.
Mais uma estranha coincidência!
Longe de mim tomar partido nessa disputa aparentemente ideológica.
Fonte: Blog do Juremir - Correio do Povo
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