Juremir Machado da Silva
Em 1775, enquanto a massa passava fome, a rainha perdia a cabeça pela primeira vez.
A segunda seria definitiva.
– Se não tem pão, que comam brioches – disse.
O rei, quando a massa se revoltou, perguntava-se:
– Por que estão agindo dessa maneira?
No Rio de
Janeiro, a massa foi às ruas urrar contra aumentos nas passagens de
ônibus. Pouco depois, a filha do “rei dos ônibus”, deu de barato e
casou-se usando um vestido de R$ 3 milhões.
Três dias depois, a turba quebrou o bairro chique do Leblon.
Um observador teria exclamado:
– Por que estão agindo assim? Não vejo nexo nisso tudo.
O Brasil vem
gritando há mais de um mês: o rei está nu. Mas nem todos querem ouvir.
Nem ver.
Há uma diferença entre pornografia e obscenidade. Toda
pornografia é obscena. Nem toda obscenidade é pornográfica. A
pornografia é a obscenidade gratuita ou com interesse comercial. Pode-se
estar nu vestindo terno e gravata. Os deputados federais e senadores
estão nus. Renan Calheiros vive pelado e mãos nos bolsos para proteger
seus ganhos. Até Joaquim Barbosa, presidente do STF, vem sendo
desnudado. O mais incrível é que, quanto mais o Brasil enxerga a
pornografia por trás das fatiotas, mais os nossos representantes tentam
fingir que não é com eles.
A
nudez maior, obscena, mostra tudo da crise de representatividade que
abala o país. Os eleitos, embora votados, não conseguem mais representar
a população, ou parte dela, que lhes joga na cara o desprezo sentido. A
regra do jogo democrático consiste no reconhecimento pelo todo do
escolhido pela parte. Quando o todo já não consegue reconhecer a
legitimidade do eleito pela parte, o sistema está nu ou apodrecendo. Os
seus formalismos não conseguem esconder as imperfeições do conteúdo. Os
vereadores de Porto Alegre foram desnudados pelos jovens que se
instalaram na Câmara de Porto Alegre. Se não se faz omelete sem quebrar
os ovos, não se passa por uma crise de representatividade e de
legitimidade sem excessos. Na política, porém, a ordem dos fatores, vale
repetir, pode alterar o produto. Os indignados brasileiros estão
dizendo faz tempo que não suportam mais os excessos dos eleitos. No
extremo, responde-se a excesso com excesso.
Qual o pior
excesso? Os mais conservadores perderam o equilíbrio, saudosos dos
tempos em que podiam silenciar seus oponentes no grito. Nos tempos
atuais o que se exige é transparência: nudez total dos negócios
públicos. Os jovens que se manifestam nas ruas querem levantar o véu,
tirar a cobertura, revelar, descobrir aquilo que sempre é escondido por
razões técnicas, políticas ou simplesmente sem explicação. Toda relação
dos entes públicos com empresas privadas deve ser divulgada em todos os
seus detalhes. O resto é pornografia. Renan Calheiros na presidência do
Senado é um ato pornográfico chocante. Henrique Eduardo Alves na
presidência da Câmara de Deputados é pornografia barata. A
impossibilidade de se fazer uma reforma política já por consulta popular
é indecente e resulta dos bacanais dos nossos representantes, que se
misturam em todas as posições.
O rei está nu. O rei é político. Mas não é sem políticos que se resolverá o problema. A solução passa por mostrar todos pelados até que a bandalheira seja compreendida na sua profundidade ou na sua superficialidade escatológica. O discurso moralista quer cobrir as vergonhas políticas com folhas de parreira e reformas superficiais. O Brasil só vai sair da crise de legitimidade e de representatividade quando toda a pornografia política estiver exposta em praça pública, a começar pelas relações incestuosas com empresas de ônibus. O falso moralismo precisa virar moralidade.
A pornografia maior é um vestido de R$ 3 milhões com o dinheiro das passagens de ônibus.
Não tem nexo!
http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=4627
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